Estratégia de conteúdo: servindo a mesa onde a conversa já acontece

Estratégia de conteúdo: Chef usa um mdedor de pimenta no formato de peça de xadrez em um prato

Falar em estratégia de conteúdo é como montar um prato bem servido. Enquanto uns são apreciados, outros acabam deixando sobras. Nesse processo, as marcas são como chefs: precisam escolher o que cozinhar, os ingredientes e a apresentação. O desafio não é apenas encher o cardápio com dancinhas, carrosséis ou ações soltas, mas preparar algo que guie a execução e garanta que o consumidor, ao dar a primeira mordida, realmente goste do que está saboreando.

Não à toa, o cargo de content strategist vem ganhando espaço em agências (e perfis do LinkedIn). Alguém precisa pensar não só no conteúdo cru, mas na experiência completa de quem consome, contando uma história que faça sentido. Isso se torna ainda mais essencial na nossa era, em que aquele que consegue capturar atenção e transformá-la em valor sai na frente.

Então, hoje vamos fazer… sua estratégia de conteúdo despertar apetite e realmente conectar com quem está à mesa.

Mise en place

É chover no molhado dizer que, para uma marca existir, é preciso gerar conteúdo. Mas, antes de colocar a mão na massa, é fundamental organizar as ideias em meio ao caos: qual é o objetivo do conteúdo?

Lançar um produto, comemorar um marco ou anunciar uma mudança? Fortalecer o posicionamento, iniciar um diálogo ou emocionar? Educar, provocar reflexão ou gerar compartilhamento? Tendo a resposta de onde se quer chegar, é preciso preencher mais lacunas: onde o consumidor está? O que consome? Como prefere consumir? A partir daí, é mão no mouse e muita pesquisa.

Esse mergulho vai além dos dados básicos. Envolve analisar tendências, aproveitar oportunidades (como datas sazonais ou momentos culturais) e identificar camadas de comportamento do consumidor: pautas de interesse, memes, séries e filmes em alta, influenciadores que segue, comidas favoritas, cores que chamam sua atenção, músicas que escuta. Absolutamente tudo pode ser gatilho para criar conteúdos que informam e engajam, desde que faça sentido para a marca e para a conexão que se deseja construir.

Uma marca que brilha quando o assunto é alta conexão com o público jovem, por exemplo, é a Netflix. Com o lançamento da segunda temporada de Wandinha no dia 6 de agosto de 2025, a estratégia de conteúdo da empresa de streaming foi transformar a cidade de Xique-Xique, na Bahia, em um ponto de atenção cultural, usando o meme de “isolada” e “longe de tudo” para conectar o tom sombrio da personagem à realidade regional. Começando com um tweet simples com foto, e depois um vídeo com direito a Wandinha baiana de chinelo preto no pé, o engajamento foi massivo.

O feito chegou a viralizar e gerou interação com a própria comunidade xiquexiquense, mostrando que pesquisa, referências culturais e conhecimento do público, aliados a storytelling podem gerar um impacto muito maior do que ações genéricas.

Da própria Xique-Xique (BA), a ação contou com a parceria da Cia Ribeir’art de Teatro e já soma mais de 14 milhões de visualizações no YouTube e Instagram — Vídeo: Reprodução YouTube

Reunindo os ingredientes

Depois de entender o público e mapear oportunidades, o próximo passo é equilibrar os sabores que o público busca com os ingredientes que a marca domina, ou seja, alinhar o conteúdo da marca com o que o consumidor consome. Por isso, observar as redes sociais mais usadas pelo público é fundamental. Muitos millenials (1981—1996) e gen Z (1997—2010) compartilham no X (antigo Twitter) a sua vida: o que diverte, o que irrita, o que os interessa, e assim fazem o tempo todo.

O Duolingo percebeu isso cedo e estruturou toda sua presença digital em torno de um tom jovem, próximo, irreverente e cheio de zoeira brasileira. Os temas escolhidos raramente falam de inglês ou de outras línguas (que é o foco do app) e estão quase sempre ligados ao dia a dia do público. Essa consistência entre tom e tema cria engajamento genuíno e reforça a identidade da marca.

A Magazine Luiza também sabe casar tom e tema. Um exemplo recente ilustrou isso certinho. Em 26 de agosto de 2025, o anúncio do noivado de Taylor Swift com Travis Kelce viralizou no Instagram, quebrando recordes da plataforma com mais de 36 milhões de curtidas e mais de 1 milhão de repostagens nas primeiras horas. A Magalu enxergou uma oportunidade de surfar nesse viral e se conectar com seu público, jogando luz em sua plataforma “Quero de Casamento”, que ajuda noivos a organizar sua lista de presentes.

Cenário florido do pedido de casamento foi identificado facilmente pelos seguidores: “A Magalu é Swiftie!!!”, diz um dos comentários — Foto: Reprodução Instagram

O post usou o tom divertido e próximo, característico da Lu do Magalu, ambientado no mesmo cenário florido do pedido de casamento viral e ainda fez referência às músicas “Love Story” e “End Game”, de Swift, na legenda. O resultado foi uma ação relevante e alinhada à personalidade da marca, que aproveitou a onda de atenção global sem perder a autenticidade. Uma das internautas chegou a comentar: “Vou até comprar algo na Magalu depois dessa”. Um show de estratégia de conteúdo. Sim ou claro?

Inclusive, saber não entrar em uma tendência também faz parte da estratégia. A Ninho, por exemplo, foi celebrada na onda do doce morango do amor, mas não realizou nenhuma publicação sobre o tema. Ou seja, manteve sua essência e posicionamento: cuidado com a saúde e nutrição infantil.

Dando sabor

Orégano, páprica defumada ou anis-estrelado? Depois de escolher os ingredientes certos, é hora de temperar a receita. A estética pode ser mais posada ou espontânea, tradicional ou autêntica, com banco de imagens ou produção própria, IA ou pessoas reais.

Essas escolhas ainda podem ganhar força com um influenciador. Muitas vezes vale apostar na terceirização, mas não basta olhar para o número de seguidores, hein? É preciso considerar o nicho, a linguagem e, principalmente, a relação de confiança que aquele criador já estabeleceu com sua audiência. Só assim a mensagem deixa de soar forçada e passa a se encaixar naturalmente no cenário. Essa foi a sacada do Nubank ao chamar Gui Bacca, conhecido por publicar vídeos do quanto tempo leva para fazer tarefas que andou procrastinando. A narrativa foi a mesma, iniciando o vídeo como é de costume do criador. Dali em diante, o conteúdo mostra como é rapidinho pagar e agendar suas contas no app do Nu, sem precisar adiar nenhum segundo.

Uma das grandes chaves da estratégia de conteúdo está em entender que cada rede social é, no fundo, um grande compilado de conversas. Se a marca não consegue manter o diálogo fluindo, dificilmente terá resultado. Diferente da mídia tradicional, que interrompe, participar de uma trend, por exemplo, significa entrar no ritmo da conversa. É marcar presença na mesa onde a conversa já acontece, o que gera proximidade.

É por isso que muitas marcas têm apostado em user-generated content (UGC). Afinal, não há nada mais convincente do que a próprio público produzindo conteúdos que consome e gosta. A linha Niina Secrets, de Eudora, faz isso muito bem. Bruna Santina, conhecida desde 2010 no YouTube, conquistou mais de 3,9 milhões de inscritos e uma comunidade fiel. Essa autoridade e conexão orgânica fizeram da parceria de publicações com as seguidoras uma escolha natural e poderosa.

Nesse post, a mineira Joicy Santos foi a escolhida para levar uma maquiagem com os produtos da linha Niina Secrets — Vídeo: Reprodução Instagram

E há ainda outro tempero para ficar de olho! Pesquisas mostram que podcasters têm mais poder de engajamento e influência nas decisões de compra do que influenciadores de redes sociais. Segundo o estudo A New Era of Influence, realizado nos Estados Unidos em 2023 pela Magna e Vox Media, três em cada quatro consumidores afirmam ser mais impactados por apresentadores de podcasts. Enquanto isso, apenas 15% citam influenciadores digitais e 10% apontam celebridades de TV e cinema.

Esse potencial já vem sendo explorado por marcas de diferentes segmentos. A TIM ampliou o investimento em conteúdo podcaster em maio desse ano com o Estúdio TIM Music, comandado pelos youtubers do canal Diva Depressão. Já a Snickers transformou em post a “viajada” da podcaster Camila Fremder, que viralizou após confundir dois podcasts de nomes parecidos. A marca usou o que aconteceu para reforçar seu famoso mote “Você não é você quando está com fome”, alinhando meme e marca.

Empratamento

Depois de temperar e finalizar a receita, chega o momento de montar a apresentação. Dessa forma, não basta só caprichar no sabor: o formato faz toda a diferença. Na estratégia de conteúdo, isso significa adaptar o que foi criado para os estilos e canais mais adequados.

Um artigo ou blogpost pode trazer aprofundamento e ajudar no SEO, enquanto um post no Instagram, LinkedIn ou X busca interação rápida e conversa. Vídeos curtos como Reels, Shorts e TikTok entram como snacks de alto potencial de viralização. Já os podcasts e entrevistas funcionam como um menu completo, convidando o público a mergulhar em uma experiência mais íntima e profunda. Infográficos cumprem bem o papel de traduzir dados de forma clara e visual. Carrosséis podem trazer fotos ou narrativas ou uma mistura disso tudo, o céu é o limite. Vídeos interativos e games (ou até a inserção em jogos já existentes) aproximam a marca do universo do entretenimento. Já enquetes e quizzes transformam o conteúdo em brincadeira e geram participação ativa.

Ninguém serve vinho em um copo plástico — Foto: Bring, gerada por IA

O Itaú em 2023, investiu em matérias no portal g1, todas com quiz ao final. Sob o mote “Itaú e você contra golpes e fraudes. Juntos, nós protegemos em dobro.”, o banco se apoiou no conteúdo para alertar e orientar sobre deslizes que muitos brasileiros cometem na hora de realizar pagamentos. Entre os temas estavam phishing, golpe da maquininha, golpe do falso funcionário e mais. Ao todo foram seis matérias, produzidas por nós, da Bring. O intuito ali não era apenas informar. O quiz vinha como apoio real no entendimento de como cada golpe funcionava, ensinando o leitor.

E esse é o objetivo da estratégia de conteúdo: não pensar apenas no que produzir, mas em como produzir. Porque quando a experiência é bem montada, a audiência não apenas consome, mas volta para repetir.

Hora de servir

De nada adianta preparar um prato incrível se ele chega frio à mesa. No conteúdo, o timing é tão importante quanto a mensagem. Um conteúdo pode ser bom, mas se for lançado fora de hora, perde força. Por isso, pensar no momento certo e na duração é essencial — assim como definir a frequência: vale estar sempre ativo, numa estratégia always on? Entrar só em momentos pontuais, como faz a Coca-Cola no Natal? Ou equilibrar as duas lógicas?

Tudo isso se enquadra na estratégia de mídia — que pede um artigo só pra ele, mas bora pincelar um pouquinho. Cada formato pede uma intenção, por esse motivo não faz sentido querer estar em todos ao mesmo tempo sem um plano bem definido.

Um conteúdo cross media, por exemplo, leva a mesma mensagem para diferentes canais, mas adaptada a cada um deles. Já a transmídia amplia a narrativa, desdobrando partes da história em plataformas distintas. O omnichannel busca integração total entre on e offline, enquanto native advertising insere a marca de forma orgânica em plataformas de terceiros. E quando o objetivo é entreter de forma leve e natural, o branded content entra em cena como prato principal.

No fim, servir bem é entender que tempo e formato caminham juntos. Porque, quando o conteúdo chega no ponto certo, ele não apenas chama atenção: como aprendemos com o crítico gastronômico de Ratatouille, Anton Ego, ele permanece na memória.

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