Tenho certeza que você já se pegou pensando: “pra que tanto anúncio?” Vivemos na era do excesso de publicidade e isso não é nada novo. Um tempo em que o anúncio deixa de ser um convite e se torna uma interrupção constante. Essa saturação, longe de construir proximidade, provoca irritação, repulsa e até leva à desistência de compra.
Conversando com os bringers (obrigada, pessoal!), analisando vídeos de desabafo e comentários no Reddit, além de um tempo de pesquisa, eu trouxe um panorama do sentimento dos consumidores diante de tanto anúncio. No fim das contas, uma vez que somos publicitários, questionar é o primeiro passo para melhorar.
Eficiência versus saturação
O grande X da questão não é só a quantidade de anúncios, mas também a entrega. Isso porque os algoritmos de classificação de usuários e de recomendação “sabem” o que mostrar, mas nem sempre acertam. E quando acertam, a frequência é um fator que pode encher (bastante) a paciência. Caixas de e-mail cheias de promoções ou artigos de notícias com incontáveis banners geram o mesmo efeito de tentar ler um livro em uma praia lotada: atenção completamente perdida.
E muitos sentem o mesmo. Em 2016, o The New York Times já percebia isso. Naquele ano, o jornal criou um modelo de assinatura sem anúncios, acreditando que poucos pagariam apenas para fugir do excesso de publicidade. Mas adivinha? A aposta deu certo: NYT se tornou o maior veículo de jornalismo digital do mundo, reunindo hoje mais de dez milhões de assinantes.
E essa preferência está cada vez mais evidente.
De acordo com pesquisa da Comscore (2024), a maioria dos espectadores da América Latina afirma que a publicidade atrapalha a experiência de visualização. Entre quem assiste à TV Conectada (qualquer TV que acessa a internet, seja por apps nativos ou dispositivos externos) e à TV aberta, 60% considera os anúncios da televisão aberta mais predominantes e invasivos; enquanto 55% prefere pagar para evitar qualquer interrupção. Em um cenário em que a atenção é o ativo mais disputado, pagar por menos ruído é, paradoxalmente, uma forma de ganhar mais tempo.
Segundo a SQ Magazine (2025), usuários gastam apenas 1,7 segundo em média decidindo se interagem com um conteúdo nas redes sociais. Essa luta das marcas por conseguir esse precioso segundo vale para quase tudo: quem assina o plano mais em conta da Netflix encara anúncios, e qualquer pessoa que peça um Uber também não está isento a eles. E nas redes sociais, é claro, esse efeito é ainda mais intenso.

E cuidado! A “notícia” de que os humanos têm o mesmo nível de atenção de um peixe-dourado é falsa, viu? (Forbes, 2023)
Do álbum de fotos ao shopping caótico
Quando perguntei ao pessoal da Bring qual rede social mais os bombardeava com anúncios, o Instagram disparou na frente. Essa reflexão também trouxe uma penca de sentimentos interessantes: “fico incomodado”, “é irritante” e “sinto ódio”. 😜 Pensando que a plataforma está em terceiro lugar no ranking das redes sociais mais usadas no Brasil, com 134,6 milhões de usuários, faz bastante sentido.
Quando a plataforma surgiu, lá em 2010, a proposta era simples: um espaço para compartilhar fotos do cotidiano com filtros charmosos. Nada de algoritmos empurrando trends: apenas uma sequência de imagens autênticas (saudades… quem lembra?). Mas em 2012, o jogo mudou.
O Facebook (hoje Meta) comprou o Instagram por cerca de 1 bilhão de dólares. E, com isso, o aplicativo passou a integrar um ecossistema que vive da atenção, portanto, da publicidade. O primeiro passo veio em 2013, com os anúncios no feed. Em 2017, os anúncios nos Stories. No ano seguinte, as tags de produto, e em 2020, a aba Shop. Em 2021, os anúncios no Reels estrearam oficialmente e, logo depois, veio o checkout dentro do aplicativo. Basta um clique para “adicionar ao carrinho”.
Claro, mercadologicamente dizendo, isso tem seu lado potente: o ambiente se tornou fértil para empreendedores. Marcas e agências enxergaram na plataforma um espaço real de negócio e relacionamento. O dropshipping que o diga! Mas o ponto aqui é o ritmo, a demasia, a falta de respiro. Nem mesmo os influenciadores, que há um tempo atrás acompanhávamos sem tanta interferência, salvam os consumidores dessa poluição informativa — e, refletindo, provável que isso não pare, pois é a fonte de renda de muitos deles.
Entretenimento frustrado
Observando alguns dos muitos comentários no Reddit, fica claro que os usuários do TikTok e da Twitch compartilham a mesma sensação: o excesso de publicidade está tirando o prazer da experiência. Aliás, não é difícil achar reclamações nesse sentido. Basta pesquisar “TikTok ads” ou “Twitch ads”, que elas aparecem aos montes.
Pra quem não conhece, o Reddit é uma plataforma de fóruns on-line onde usuários postam e comentam sobre praticamente qualquer tema. É um espaço colaborativo em que as comunidades compartilham experiências, opiniões e críticas.
No TikTok, a frustração vem da quantidade e da forma — muita gente fala de campanhas que parecem “vazias”, com anúncios que soam deslocados em meio ao ambiente que valoriza (pelo menos, na teoria) conteúdo espontâneo. Também há queixas sobre a falta de transparência em posts pagos e sobre a sensação de estar sendo “perseguido” por anúncios em todo lugar. Um usuário escreveu:
“Não consigo mais pesquisar nada direito porque, depois de um ou dois vídeos, aparecem só anúncios do TikTok Shop que não têm nada a ver com o que estou procurando, e de vez em quando, um vídeo aleatório entre cinco anúncios, o que também não faz sentido. Mas se eu sair do feed e rolar a pesquisa, não tem anúncios e só aparecem vídeos relevantes. Eu odeio isso, torna a busca no TikTok péssima!”

Na Twitch, quando o público odeia os anúncios, no chat já sobe: “L Ads”. L vem de “loss”, derrota em inglês.
A conta do “de graça”
Na Twitch, o incômodo também é claro: os espectadores reclamam das interrupções constantes, do tamanho dos anúncios e da repetição dos mesmos comerciais, que quebram o ritmo das transmissões e afastam quem estava imerso.A plataforma oferece formas de apoiar os streamers e tornar a experiência menos frustrante, sem anúncios: é possível assinar o canal por US$ 5,99, US$ 9,99 ou US$ 24,99, usar a assinatura gratuita do Prime Gaming ou enviar Bits — uma moeda virtual para mandar mensagens de apoio no chat. No entanto, é preciso repensar a vivência de usuários gratuitos, que está abarrotada de anúncios. Falando da plataforma de streaming, outro usuário do Reddit ilustra bem isso:
“Eu assisto aos primeiros minutos de uma transmissão, 2:30 minutos de anúncios… Menos de 10 minutos depois, mais 1 minuto de anúncios… Então, mais 15–20 minutos, uma sequência de 2:30 de anúncios de novo… Como eu vou conseguir assistir a alguma coisa?”
Esse excesso é tão repulsivo que tem levado algumas pessoas a fugirem de redes sociais mais consolidadas como essas. Para onde esse público vai? Redes sociais emergentes, livres de anúncios, como é o caso do Substack Notes, Mastodon, Medium, BlueSky e outros. E pode ser pior, infelizmente. É o caso de usuários que recorrem à pirataria. E, colocando mais uma hipótese nesse balaio, por que não dizer que é uma das motivações para o movimento de detox digital, feito em todo o mundo?
Todo esse cenário reforça que formato, timing, preferências do usuário e frequência influenciam fortemente a percepção de incômodo. Anúncios que respeitam o contexto, aparecem na hora certa e combinam com o conteúdo do streamer, do influenciador ou do que o usuário espera, tendem a ser melhor recebidos.
Não podemos mais pular anúncios
Se pensar bem, em nenhum lugar. Só de lembrar da novela Vale Tudo (2025), as inserções é que pulam na nossa vista. Foram mais de 90 ações de merchandising. E essa realidade é vista com ainda mais profundidade no YouTube. “Sinto que, neste momento, o YouTube não é mais uma plataforma para criadores, mas para anunciantes” e “Antes você via um vídeo que continha anúncios, hoje em dia você vê anúncios que contêm um vídeo” são alguns comentários de usuários da plataforma.
Não é raro encontrar entre cinco a dez propagandas antes de um vídeo começar — não é exagero, os prints de telas dos usuários no Reddit são i-n-f-i-n-i-t-o-s. O gerente ficou maluco (e dessa vez, não foi nada legal): em 2019, surgiram os unskippable ads, anúncios que não podem ser pulados. O formato foi dos iniciais seis segundos para 15, depois, dupla de anúncios de 15 para 30 e, então, 60 segundos. Quem quiser ficar de olho nas atualizações, é só ver os formatos de anúncio em vídeo nesta página oficial do Google Ads.
Segundo um vídeo do canal Beyond the Internet (que, inclusive, faz uma boa e bem humorada análise sobre o excesso de publicidade no YT), esse compilado de anúncios antes de iniciar o vídeo são especialmente chatos para os usuários da TV. Em maio deste ano, o YouTube manteve a maior participação de visualização de TV entre empresas de mídia pelo terceiro mês consecutivo — o que ajuda a explicar essa insistência na veiculação do formato.
Para fugir desse incômodo, o YouTube incentiva a assinatura Premium, sem anúncios.
Para muitos virou sinônimo de paz, mas para quem depende da versão gratuita — e especialmente para quem viveu o YouTube sem nenhum anúncio ou com poucos segundos de propaganda —, a experiência é ainda mais cansativa.
Desde de 2023, a plataforma passou a identificar extensões de ad block (como Brave, uBlock Origin e AdGuard) ativas no navegador, mostrando avisos, impedindo tanto o carregamento de vídeos quanto o acesso à home da plataforma. Caso o YouTube detecte que você utiliza aplicações como essas, as mensagens que aparecem são: “Bloqueadores de anúncios violam os Termos de Serviço do YouTube” e “O reprodutor de vídeo será bloqueado após três vídeos se o bloqueador não estiver desabilitado”.
De mãos dadas com a inteligência artificial
Além de não poder pular uma sequência de publis, em maio deste ano, o YouTube agregou uma nova funcionalidade ao sistema de posicionamento de anúncios para criadores em vídeos de mais de oito minutos. Antes, os anúncios entravam apenas em pontos inseridos manualmente pelo youtuber no vídeo. Agora, ao acionar o botão “Mostrar anúncios intermediários em meu vídeo”, o criador possibilita que sejam inseridos por um algoritmo automático.
Em um corte, o youtuber Castrinho mostra, pelo YouTube Studio, como o botão funciona. Num conteúdo de 30 minutos, o sistema sugeriu inserções de anúncio, aproximadamente a cada dois minutos. Resultado? Quinze propagandas em um só vídeo, sem contar os que ele ainda poderia adicionar onde gostaria, na mão. In-sa-no.
É possível desabilitar essa função, mas como o criador aponta, nem todos os youtubers se importam ou analisam como essa enxurrada de espaços publicitários afetam o público. Por isso, é preciso criar um ambiente mais amigável e contextualizado para quem consome na opção free. E com quem está essa bola? Os criadores das políticas de publicidade em cada rede? As agências? Os influenciadores? Fato é que, hoje, não são só os profissionais da comunicação que veiculam anúncios. E isso deve ser lembrado.

“A sobrecarga de informações afeta a confiança das pessoas em suas decisões de compra, desde itens simples, como hidratantes, até produtos de maior valor, como máquinas de lavar”, diz Accenture (2024)
Os jovens estão desistindo de comprar
Passando a página dos fóruns on-line, mais dados mostram que o público está esgotado. Uma pesquisa global da Accenture, O poder do consumidor moderno (2024), revelou que 75% das pessoas reclamam do excesso de publicidade nas telas, e que 74% desistiram de compras nos últimos três meses de 2023 por causa desse excesso. Ademais, 73% se sentem “inundadas” por opções e 71% não veem ganho real na tomada de decisão.
O estudo mostra também que esse incômodo é mais forte entre os mais jovens: 79% dos millennials e 89% da geração Z afirmam ter abandonado compras devido à quantidade de anúncios. A multiplicação de canais e formatos — de vídeos a banners, de push notifications a Reels patrocinados (oi, Insta) — faz com que as abordagens se sobreponham, sem foco nem personalização. O resultado é um público confuso, disperso e menos receptivo à comunicação.
Em reportagem à Money Report, Silvio Barboza, diretor da área de Produtos da Accenture Brasil, explicou que a diferença no impacto entre as gerações está ligada à maior conectividade e exposição à publicidade dos jovens. Segundo ele, “é natural que as gerações mais recentes sejam mais digitais e, consequentemente, mais impactadas pela publicidade. Isso diminui a paciência e a resiliência para lidar com anúncios intrusivos, levando-os a desistir de compras com mais facilidade.”
E isso é bem lógico. Vamos pensar: para uma mente acostumada a consumir um novo vídeo no TikTok a cada rolagem de dedo, ser forçada a ver dois minutos de anúncios “impuláveis” no YouTube é uma tortura.
O antídoto
Bem, no caso do YouTube, você pode abrir e fechar o vídeo algumas vezes e… Brincadeira!
O que vale é perceber: o problema não é a publicidade em si. É o desequilíbrio. A lógica imediatista por trás das estratégias e a programação dos algoritmos transformam o contato com as marcas em algo esmagador, seco e desconexo. Uma metáfora extrema do que sentimos na vida real está no primeiro episódio da sétima temporada de Black Mirror, “Pessoas comuns”.
A personagem Amanda (Rashida Jones) está em coma e precisa aderir a um serviço de assinatura para sobreviver. Parte do seu cérebro é substituída por um implante conectado à nuvem e, à medida que os custos dos planos aumentam, sua qualidade de vida diminui. Caso não pague, ela é obrigada a emitir anúncios involuntários, transformando sua existência em uma mercadoria. E quando tudo vira mercadoria a experiência é tudo, menos humana. Como dizem: se o serviço é de graça, você é o produto. (Alerta spoiler!) E o episódio culmina com uma escolha desesperadora: viver como um produto ou morrer com uma forma de controle sobre sua própria vida?
A corrida pelo faturamento desenfreado cega influenciadores e empresas.
Quando mais e mais números se tornam sinônimo de eficácia, perde-se o que sustenta as marcas: a emoção, o vínculo, a criatividade. Os anúncios vendem, mas não conectam.
É preciso olhar o ROI com cuidado, porque “eficiência” sem equilíbrio também cobra um preço. A rapidez ganha no curto prazo, mas pode destruir o relacionamento com o público no longo. Compreender a frequência, a evolução dos formatos de anúncio e o comportamento do usuários é a chave para criar estratégias que evitam essa fuga dos produtos e serviços anunciados.
Portanto, o desafio está em balancear a entrega de anúncios, sem sacrificar a experiência das pessoas, e o desejo pela marca, no futuro. O antídoto (ou, pelo menos, a tentativa de um) é devolver à publicidade propósito, respiro e vida. Mais escuta, menos caos. Menos insistência, mais empatia. Menos interrupções, mais histórias que façam sentido. Anúncios que respeitam o tempo, o interesse e a saúde mental das pessoas.
A saturação já desgastou, porque, no fim, publicidade é sobre atrair gente. E gente nenhuma gosta de ser tratada como moeda de troca. Olho no olho sempre ganha.
 
															 
				 
								 
								 
								 
