Diversidade na publicidade: cadê?

Diversidade na publicidade

Olhe ao redor. As pessoas perto de você, os anúncios pipocando na sua tela, a TV ligada na sua frente. Quantas pessoas são negras? E amarelas? E indígenas?

Talvez o dado a seguir seja óbvio para você, mas, a julgar pelas pessoas em destaque na mídia, é possível que não: menos da metade da população brasileira é branca. De acordo com o Censo 2022 do IBGE, esse grupo corresponde a apenas 43,5% da população. Entre os não-brancos, a maioria se declara parda (45,3%), seguida por pretos (10,2%), indígenas (0,6%) e amarelos (0,4%).

Nesse contexto, seria inocente razoável esperar que tal proporção se repetisse em outros segmentos da sociedade, mas sabemos que não é bem assim. Apesar de sermos um país diverso — seja no âmbito racial, cultural, sexual etc. — a diversidade na publicidade ainda engatinha.

De acordo com o Boletim de Raça e Gênero, do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa), nada menos do que 83% dos modelos dos anúncios veiculados entre 2018 e 2023 são brancos. Ou seja, a maioria da população brasileira não está devidamente representada.

Por que diversidade na publicidade importa

Primeiro, vale (mais uma vez) ressaltar o óbvio: a diversidade é enriquecedora. Grupos diversos ampliam suas capacidades e podem enxergar, planejar, realizar além das limitações de um grupo heterogêneo. É também enriquecedora em um sentido mais literal: pessoas se identificam com campanhas quando se veem retratadas nelas. Mais diversidade, mais pessoas, mais dinheiro para as marcas. Simples.

Dito isso, seria injusto não ressaltar algumas marcas que já entenderam o recado e, sim, levam em conta o poder da diversidade na publicidade.

Cores unidas, raças unidas

Campanha de Bennetton de 2018 foca na diversidade racial — Foto: Oliviero Toscano/Divulgação Benetton

Uma das marcas mais icônicas nesse sentido é a United Colors of Benetton. Desde os anos 1980, muito antes de diversidade ser cool, a marca chamava atenção por sua publicidade ousada e por vezes controversa que “já” naquela época enxergava que — vejam só! — as pessoas são diversas.

Em 2017, o Airbnb lançou uma campanha, intitulada We Accept, para promover a diversidade entre anfitriões e hóspedes, destacando pessoas de diferentes origens e culturas. A marca ainda doou parte do faturamento para um fundo de apoio a refugiados, reforçando o posicionamento social.

Já O Boticário — que, inclusive, aparece aqui neste blog com frequência graças a suas campanhas — acertou em cheio com a campanha de Natal de 2020, que traz uma criança negra finalmente encontrando um Papai Noel com quem se identifica.

Muito além das cores 

Claro que quando falamos de diversidade na publicidade estamos falando de algo muito além de diversidade racial: aqui entra diversidade de gênero, de orientação sexual, de idade, PCDs, entre tantos outros aspectos que nos torna tão maravilhosamente diversos.

Um levantamento feito por pesquisadores da USP e da Unesp e publicado na revista Nature Scientific Reports em 2022 mostra que 12% dos brasileiros adultos se identificam como LGBTQIAPN+, o que corresponde a mais de 24 milhões de pessoas. Um público-alvo bem considerável.

Sabendo muito bem como chegar a esse público, O Boticário — olha marca aí de novo! — abraçou a diversidade de forma inteligente. Para o Dia dos Namorados de 2021, lançou a campanha Amor É Amor, em que retratava uma grande diversidade de casais, entre brancos, negros, gays, lésbicas, jovens, idosos e PCDs.

Campanha de Dia dos Namorados de O Boticário aposta na diversidade do amor — Vídeo: Reprodução YouTube

Tornando visíveis os invisíveis 

E falando em PCDs, este é outro público comumente invisibilizado em campanhas publicitárias, o que deixa de fora das propagandas os 14,4 milhões de brasileiros com alguma deficiência, segundo dados do IBGE.

Quem consegue olhar para esse público, se destaca. Foi o que fez a Lacta, em 2021, quando lançou o filme Sinais, protagonizado por um casal que se conhece em uma festa onde os convidados se comunicam em Libras, a língua de sinais brasileira. A campanha celebrou a comunidade surda e promoveu a inclusão como premissa de comunicação.

Em 2024, a Reserva lançou uma campanha de Dia dos Namorados com uma releitura da música Mania de Você, interpretada em Libras. O vídeo é protagonizado por casais com deficiência auditiva e ainda chama a atenção para os recursos de acessibilidade, incluindo um QR que leva para uma audiodescrição do vídeo. Ao trazer a Libras para o centro do vídeo e não apenas como um recurso, a Reserva integra uma causa social à comunicação da marca e amplia o conceito de inclusão.

Acessibilidade é a base da campanha de Dia dos Namorados da Reserva — Vídeo: Reprodução YouTube

Quando é bom é ótimo; quando é ruim é péssimo

De boas intenções o inferno está cheio. E a publicidade também. Trazer diversidade para a pauta é fundamental, mas exige cuidado. Com todos os olhos voltados para o mesmo lugar, um deslize pode ser irremediável. Esta aí a Arezzo, que não me deixa mentir.

Em 2022, para celebrar seus 50 anos, a marca de calçados femininos lançou uma coleção comemorativa com releituras de modelos clássicos por décadas. Uma dessas sandálias, representando os anos 70, foi refeita pela marca baiana Meninos Rei, que usou estampas inspiradas em elementos da cultura africana. Porém, a marca escolheu para a divulgação das peças uma mulher branca — Jade Picon — e a atriz e cantora Clara Buarque, uma mulher negra de pele clara que aparece na campanha com os cabelos alisados.

“Mulheres africanas com a Jade representando? Deveria ter vergonha Arezzo🤦🏽” é o comentário de uma das internautas — Vídeo: Reprodução Instagram

As escolhas não passaram batidas…

Muitos interpretaram a escolha de Jade Picon para representar algo supostamente ligado à ancestralidade africana como uma apropriação cultural e falta de sensibilidade racial. Outros, ainda que em menor grau, criticaram os cabelos alisados da atriz negra de traços finos, considerando a escolha um esvaziamento da sua identidade negra. O que as vozes críticas gritavam era que a mensagem de que a “representatividade” fica vazia quando o rosto da campanha não representa o grupo cultural retratado.

A Arezzo chegou a emitir um posicionamento, afirmando que a coleção de 50 anos não tinha como tema “homenagem a mulheres africanas ou negritude”, mas que se tratava de uma “representação dos 50 anos da Arezzo”, com diferentes colaborações de estilistas, entre eles os Meninos Rei. Disse ainda que a campanha contava com outras mulheres negras como modelos, para reforçar pluralidade. Não colou. A campanha seguiu no ar, mas pelos comentários no post do Instagram o mal já estava feito.

Tokenismo: o que parece, mas não é 

Ações como essa acabam sendo vistas como tokenismo, nome dado à prática de incluir superficialmente ou simbolicamente membros de grupos minoritários em posições de destaque apenas para dar a aparência de diversidade e inclusão, sem promover mudanças estruturais reais.

Nesses casos, as pessoas são (literalmente) usadas como símbolos para evitar críticas e mascarar a falta de representatividade efetiva e equidade. Essa inclusão performática acaba reforçando estereótipos ao invés de atuar em prol da inclusão e da diversidade e faz um desserviço tanto à marca quanto à sociedade.

O desafio da representação verdadeira

A publicidade brasileira está diante de uma encruzilhada: continuar refletindo um país que não existe ou finalmente abraçar as pessoas que o compõem. A diversidade na publicidade, quando bem executada, amplia as vozes, aproxima os públicos e fortalece as marcas. Quando mal trabalhada, escancara distâncias e expõe fragilidades.

O caminho mais seguro passa pela escuta real, pelo protagonismo de quem deve deixar os cantos e ocupar o centro da narrativa e por equipes que reflitam internamente a pluralidade do mundo lá fora. Só assim a representação deixa de ser uma campanha bonita e passa ser uma prática com impacto real na sociedade. As marcas já fazem parte da conversa social, e o público está cada vez mais atento a quem realmente entende isso — e quem não entende.

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