O valor de uma marca não está no seu nome, nem no seu logotipo. Está no que ela significa. Ou melhor: no que as pessoas acham que ela significa. A percepção de marca é esse território simbólico em que emoção e contexto valem tanto quanto performance e produto. É o que permite cobrar caro por um jeans rasgado, confiar num banco sem agência física ou rejeitar um refrigerante só por ele não ser “a marca certa”.
Esse capital simbólico é poderoso, mas também volátil. E o mais interessante é que ele pode ser provocado — e por que não dizer, manipulado — por ações criativas que mudam a forma como olhamos para uma marca, especialmente quando ela é colocada em um lugar inesperado.
Abaixo, apresentamos sete casos icônicos que fizeram exatamente isso: questionaram, subverteram ou expandiram a percepção de marca por meio de campanhas que não se explicam apenas pela estética ou pela mídia, mas pelo impacto emocional e simbólico que geraram.
1. Luxo ou lixo?
Imagine caminhar por uma rua movimentada e encontrar um ambulante vendendo relógios Rolex a preço de banana. Pirataria, certo? Não neste caso. A ação (não oficial) da marca funcionou como um experimento social, tirando o produto do seu habitat natural de luxo e colocando-o no ambiente da informalidade. O resultado foi a desconfiança.
O experimento revela algo fundamental: a percepção de valor de um Rolex não está apenas no relógio em si, mas no contexto em que ele é apresentado. É o que o diferencia de uma réplica, mesmo que ambos sejam visualmente idênticos. O preço, a vitrine, a embalagem, o status: tudo faz parte do pacote simbólico.
2. Falsificação como estratégia
Na contramão do discurso antipirataria, a Diesel decidiu abraçar o universo das falsificações com ironia. Criou uma pop-up store em Nova York com a marca grafada como “Deisel”, vendendo peças originais com visual de camelô. O que parecia uma pegadinha virou um hit entre fashionistas.
A provocação foi clara: se você compra uma réplica para parecer descolado, por que não comprar o original disfarçado? A marca deu um nó na percepção de autenticidade e mostrou que entende e participa da cultura de rua que a alimenta. O produto, é claro, foi um sucesso de vendas.
3. Friends em casa
A IKEA levou a percepção de marca para dentro das nossas memórias afetivas. Em 2019, recriou com fidelidade cenários icônicos, como o de “Friends”, “Stranger Things” e “Os Simpsons”, usando apenas produtos do próprio catálogo.
Mais do que uma vitrine criativa, ação foi uma forma de dizer que é possível criar (ou recriar) absolutamente qualquer ambiente na sua própria casa, e a preços acessíveis. Foi uma maneira lúdica de se fazer presente no cotidiano dos clientes, conectar acessibilidade com cultura pop e reforçar que estilo não precisa custar caro.

Sala do seriado “Os Simpsons” recriada com móveis vendidos pela IKEA – Foto: IKEA.
4. O sanduíche embolorado
Em um mercado onde projetamos tudo para parecer fresco, suculento e artificialmente perfeito, o Burger King fez o oposto: mostrou um Whopper totalmente embolorado. A ideia nada óbvia era provar que o sanduíche não tem conservantes artificiais.
A imagem, desconfortável à primeira vista, gerou estranhamento e (como não?) viralizou. Mas também ajustou a percepção de marca como uma opção mais honesta no universo do fast food, altamente criticado. O que estava em jogo ali era a confiança: se a marca tem coragem de mostrar o que os outros escondem, talvez ela tenha mesmo algo diferente (e um pouco melhor) a oferecer.
5. Elegância e provocação
Conhecida por seu classicismo, a Tiffany decidiu romper com a imagem tradicional em 2021. A campanha “Not your mother’s Tiffany” apresentou modelos jovens, tatuadas e provocadoras. Foi um reposicionamento ousado para conquistar um novo público e gerar ruído.
Longe de ser uma unanimidade, a campanha causou controvérsia. Algumas clientes fiéis se sentiram preteridas, como se a marca estivesse jogando fora seus quase 200 anos de tradição. Outros acharam que atacar a geração mais velha foi uma saída simplista e que tentar popularizar a marca para as gerações mais novas foi um caminho equivocado, já que para esse grupo ser comum é quase tão ruim quanto ser ignorado. Por outro lado, defensores da estratégia dizem que marcas clássicas não podem viver apenas da tradição e precisam, sim, conquistar novos mercados.
Seja como for, a marca fez barulho. E para quem deseja relevância, não apenas reverência, às vezes, é preciso correr o risco de desapontar quem só espera repetição.
6. Menos crocodilos, mais iguanas
A Lacoste abriu mão temporariamente do seu símbolo mais sagrado: o crocodilo. Em uma ação com foco ambiental, substituiu o logo por imagens de animais ameaçados de extinção. A marca produziu uma quantidade limitada de cada modelo, equivalente ao número restante da espécie no mundo, o que gerou ainda mais desejo pela coleção.
Além de chamar atenção para a causa, a campanha mostrou que o verdadeiro poder da marca está na sua capacidade de abrir mão do próprio ego em prol de algo maior. E a percepção de valor foi invertida: quanto menos, mais.
7. Retratos da autoestima
Talvez ninguém tenha reforçado com tanta profundidade sua percepção de marca quanto Dove. A campanha “Retratos da Real Beleza” usou um artista forense para desenhar mulheres com base em suas próprias descrições e depois com base na descrição de outras pessoas. O resultado foi comovente.
A marca se distanciou do padrão estético publicitário das marcas de beleza e se aproximou da vida real. Com isso, deixou de ser apenas um sabonete e passou a ser símbolo de empatia, diversidade e autoestima. A campanha, inclusive, foi um enorme case de sucesso de estratégia cross media.
Percepção não se compra: se constrói
Esses sete casos mostram que a percepção de marca é, no fundo, uma narrativa em disputa. Ela não é estática: pode ser ampliada, reavaliada, hackeada. E se não for bem trabalhada, pode ter consequências devastadoras. O que todas essas ações têm em comum é que elas não vendem o produto, mas sim o que ele representa.
E é aí que mora o verdadeiro diferencial: na coragem de se posicionar de forma original, de ocupar espaços simbólicos inesperados e de provocar conversas que transcendem o consumo. No fim das contas, a pergunta não é apenas “o que sua marca faz?”, mas “o que ela faz as pessoas sentirem?”