Você já percebeu como muitas marcas parecem ter virado produtoras de conteúdo? Elas fazem filmes, séries, documentários e podcasts com tanta naturalidade que, às vezes, damos mais atenção à narrativa do que ao logo no final. E é justamente essa a ideia. Esse é o universo do conteúdo de entretenimento (ou branded entertainment, se a gente quiser parecer mais descolado). É quando a marca cria ou patrocina o conteúdo como produto cultural, e não como propaganda tradicional.
A princípio, pode parecer algo muito recente, mas é verdade é que esse conceito é quase centenário.
Óperas de sabão
O conteúdo de entretenimento como indústria é, de fato, um movimento recente, mas sua raiz está lá no surgimento da publicidade no rádio e na televisão. Se você fala inglês, sabe que o termo usado para novelas é soap operas — literalmente, óperas de sabão. Esse termo surgiu nos anos 1930, quando fabricantes de sabão começaram a patrocinar novelas radiofônicas diurnas nos Estados Unidos, que, por isso, ficaram conhecidas como soap operas.
Pra você ver: a marca está tão amalgamada ao produto cultural que passou a ser o próprio termo usado para se referir a esse produto.
O que é conteúdo de entretenimento e por que ele está bombando
Conteúdo de entretenimento, sob a ótica da estratégica de marca, é o conteúdo desenvolvido como storytelling real, com estética, personagens e narrativa. Nesse sentido, o foco é realmente contar uma história, engajar e criar conexão emocional, tornando-se naturalmente um produto cultural.
Vivendo em uma era de ad fatigue, consumidores se desconectam no segundo em que percebem uma propaganda. Já o conteúdo que entretém como um filme é recebido de outra forma: é visto, compartilhado, comentado. Por isso, se marcas querem ser lembradas, precisam virar parte da cultura, e não apenas uma pausa desagradável no meio da programação que o público quer, de fato, ver.
Como comentamos no artigo sobre advertainment — que é basicamente um irmão gêmeo do branded entertainment — muitas marcas, como Mattel e Lego, já estão fazendo alianças com Hollywood. Com isso, expandem seus papéis de patrocinadoras para criadoras de conteúdo massivo e de valor editorial, com seus produtos como figura central das produções, e não como meras inserções. Ou vai dizer que a Barbie é um mero detalhe no filme… “Barbie” (2023)?
Ousadia de luxo
Se você quisesse divulgar um carro de luxo, você o mostraria recebendo uma saraivada de tiros? Batendo em outro carro em um beco? Com um fotógrafo de guerra morrendo ensanguentado no banco de trás no meio da selva? Você apresentaria a sua marca com uma história sobre um astro de cinema que espanca a mulher?
Pois a BMW fez tudo isso. E se deu muito bem.
A série “The Hire” (2001) consistia em oito curta-metragens, estrelados por Clive Owen e dirigidos por mestres do cinema, que apresentavam diferentes veículos da marca. Entre os diretores estão ninguém menos que Guy Ritchie, Ang Lee, Wong Kar-Wai, John Woo e Alejandro González Iñárritu. Além disso, os atores convidados não ficam nada aquém: Madonna, Gary Oldman, Don Cheadle, Stellan Skarsgård, Mickey Rourke e muitos outros.
Audácia que dá resultado
Os cinco curtas da primeira temporada foram disponibilizados no site da BMW Films e foram vistos mais de 11 milhões de vezes em quatro meses — e ainda foram exibidos no Festival de Cannes. Após o início da série, em 2001, as vendas da marca aumentaram 12% em relação ao ano anterior. A segunda temporada veio no ano seguinte, com mais três curtas. E a BMW ainda retomou o projeto mais de uma década depois, em 2016, com mais um curta que lançava a BMW 540i.
Veja na íntegra o curta “Star”, da BMW Films, dirigido por Guy Ritchie e estrelado por Clive Owen e Madonna — Vídeo: Reprodução YouTube
Com essa série de curtas a BMW mostrou que sabe como divulgar seus veículos com conteúdo de entretenimento de altíssima qualidade e nada óbvio. E a marca, é claro, não parou por aí. Recentemente, lançou a BMW X3 e a série 2 Gran Coupé com uma emocionante cena de perseguição no filme “Viúva Negra” (2021). Parece que o pessoal de lá gosta mesmo de ver seus carros destruídos na tela…
Check-in no entretenimento
Anos antes da rede de hotéis e resorts Four Seasons emprestar suas instalações para que fossem palco de crimes em “The White Lotus” (2021), outra rede já havia usado conteúdo de entretenimento como parte de uma estratégia ousada para divulgar seus serviços.
A série “Two Bellmen” (2015) apresentava dois mensageiros que vivem altas aventuras para revolver os problemas dos hóspedes do hotel onde trabalham: sempre uma propriedade da rede JW Marriott — em Los Angeles, Dubai e Seul. Os três episódios incluíam técnicas divertidas de parkour, artes marciais e dança, ao mesmo tempo em que exibiam as amenidades do hotel, sem, no entanto, destacar a marca.
Somados, os três vídeos têm hoje mais de 22 milhões de visualizações no YouTube e atingiram em cheio o público-alvo: millenials. Os comentários dos usuários sobre o primeiro episódio não nos deixam mentir: mesmo sendo um conteúdo de marca, o público se engajou.
Trailer da série “Two Bellmen”, produzida pela rede JW Marriott — Vídeo: Reprodução YouTube
Quem toca na emoção, vira cultura
O entretenimento de conteúdo é uma estratégia que veio para ficar. Produções desse tipo tocam no emocional do público; a emoção cria memórias, e as memórias constroem lealdade. Além disso, é um tipo de conteúdo que gera compartilhamento, impulsiona alcance orgânico e vira referência no dia a dia.
Afinal, as marcas estão entendendo que precisam deixar de interromper histórias para serem histórias. E, quando isso acontece de verdade, além de atingirem seus objetivos comerciais, elas deixam também um legado cultural.