Com a enxurrada de combinações de palavras, sobretudo em inglês, que surgem a cada dia, você talvez tenha deixado passar o termo advertainment. E se você é do tipo que já revira os olhos quando ouve um novo estrangeirismo, não se abale! Advertainment está longe de ser uma palavra nova. O termo é atribuído à professora universitária Patrizia Musso, especialista em publicidade e branding, que o publicou pela primeira vez em um artigo em 1999. Isso mesmo, há mais de um quarto de século.
O dicionário Merriam-Webster define advertainment como: “1) uma forma de entretenimento, como um filme ou programa de televisão, criada principalmente para divulgar algo. 2) Publicidade apresentada na forma de entretenimento.”
Porém, se do século passado até os dias de hoje as formas de publicidade e de entretenimento evoluíram, o advertainment também.
Slogan levado ao extremo
Um evento frequentemente associado ao advertainment é o Red Bull Stratos, que ocorreu em 14 de outubro de 2012. Ele é fruto de uma parceria entre a Red Bull — cujo slogan é “Red Bull te dá asas” — e a GoPro. O paraquedista austríaco Felix Baumgartner, conterrâneo da Red Bull, saltou de um balão de hélio na estratosfera, a uma altitude de cerca de 39 km. Essa ação fez com que ele entrasse para o Guinness World Records com o salto em maior altitude já realizado e como a primeira pessoa a quebrar a barreira do som em queda livre.
A façanha, gravada com câmeras GoPro, foi transmitida para dezenas de países, em diversos canais de TV e plataformas digitais, tornando-se o evento ao vivo com maior público no YouTube até então: cerca de 8 milhões de pessoas. E só não foi ainda maior porque o servidor da plataforma na época não tinha capacidade suficiente.
Resultados estratosféricos
O sucesso do evento foi — o trocadilho é inevitável — estratosférico. A Red Bull reforçou seu posicionamento, criou uma conexão duradoura com o público jovem e gerou uma avalanche de conteúdo orgânico. O YouTube da marca teve um aumento substancial de inscritos nos dias que antecederam o evento, conquistando impressionantes 87.000 novos seguidores no dia do salto.

Fonte: A Case Study on Red Bull: “Stratos” Campaign
Além disso, nos meses após o evento, o brand recall da marca subiu 69%. Já as vendas cresceram 7%, aumentando a receita em cerca de US$ 1,6 bilhão. Nada mal para um evento que custou cerca de US$ 20 milhões — uma pechincha em comparação com os resultados.
Hoje a Red Bull mantém a Red Bull TV, uma plataforma de streaming voltada ao esporte. Ela exibe produções gravadas e transmissões ao vivo: tudo em grande sintonia com seu público-alvo.
Advertainment no cinema
Em 2014, a Lego, marca mais valiosa da Dinamarca, precisava de uma estratégia eficiente para enfrentar a competição pesada pela atenção dos pequenos. Além dos concorrentes clássicos, como Hasbro e Mattel, os videogames, jogos de celular, internet e até a realidade virtual tornavam a batalha ainda mais dura. Eis que é lançada nos cinemas a animação “Uma Aventura Lego”: um filme que mistura técnicas de stop motion e animação computadorizada para dar vida a personagens e cenários feitos totalmente com peças de Lego.
A produção faturou quase oito vezes seu orçamento na bilheteria mundial, estimado em US$ 60 milhões. E a Lego, é claro, não saiu de mãos abanando. No ano do lançamento do filme, as vendas aumentaram 14%, chegando a 25% no ano seguinte. A BBC News reportou que o lucro líquido aumentou 12%, chegando a US$ 2,7 bilhões. “Ficamos muito empolgados com a recepção dos produtos do filme Lego, que proporcionaram um aumento significativo nas nossas vendas durante o primeiro semestre de 2014″, disse John Goodwin, CFO da Lego. Ah, e um detalhe: ninguém menciona a palavra Lego no filme.
É claro que com um sucesso desses a empresa e os produtores entenderam o potencial da combinação “Lego + cinema” e lançaram mais três filmes. Somados, “Lego Batman: O Filme” (2017), “Lego Ninjago: O Filme” (2017) e “Uma Aventura Lego 2” (2019), arrecadaram mais de US$ 1 bilhão em bilheteria.
(E como estamos falando de Lego e de Red Bull Stratos no mesmo artigo seria um crime não mencionar esta preciosidade feita para a divulgar a Model Maker Fair de Viena.)
O fenômeno do advertainment
Ainda sobre a combinação “brinquedo famoso + cinema”, se você estava neste planeta em 2023 foi impossível ficar alheio à invasão cor-de-rosa nos cinemas. O filme “Barbie”, estrelado por Margot Robin e Ryan Gosling, que deram vida — literalmente — à boneca Barbie e ao boneco Ken, foi a maior bilheteria do ano nos EUA. De acordo com a Forbes, a produção ajudou a alavancar em 7% as vendas da Mattel, a empresa por trás da boneca. Como disse seu CEO, Ynon Kreiz: “Nossos resultados foram beneficiados pelo sucesso do filme, que se tornou um fenômeno cultural global e foi um marco importante para a Mattel. […] O filme ampliou a base de fãs da Barbie.” A Mattel calcula que o incremento na receita proveniente do filme foi de US$ 125 milhões, incluindo as vendas de bonecas, produtos relacionados e os ganhos com o próprio filme.
Conexão profunda
Com o avanço dos streamings e a possibilidade de avançar os intervalos comerciais, a publicidade integrada nos filmes, nos programas de TV, e as diversas formas de advertainment têm se mostrado formatos mais eficientes de as marcas se manterem na mente dos consumidores.
Mas o advertainemnt no cinema não envolve apenas grandes produções. A marca fashion Miu Miu, por exemplo, apoiou a produção do curta-metragem “Shako Mako” (2019), da diretora Hailey Gates — que, diga-se de passagem, viria a ganhar o prêmio de júri no prestigiado festival de Sundance com seu longa-metragem “Atropia” (2023). E se você acha que o assunto do curta era o mundo da moda, você se engana: a história se passa em um acampamento militar no Oriente Médio. Mesmo que a maioria dos consumidores nunca façam uma conexão entre o filme e a marca, a Miu Miu agora pode divulgar para o mundo que deu apoio a uma promissora — e premiada — cineasta mulher. Isso gera uma conexão profunda dos consumidores com a marca.
Advertainment no Brasil
Mas não pense que o advertainment é só coisa de gringo. Em 2024, para divulgar a campanha Foodmarks, a Coca-Cola lançou uma série de quatro episódios no Globoplay. Idealizada e produzida pela Bring, em parceria com a agência Open X, “Tem gosto de quê?” era apresentada por Fábio Porchat e trazia celebridades e influenciadores como convidados, que reviviam histórias divertidas sobre refeições carregadas de memórias afetivas.
A produção potencializou o alcance da marca, impulsionada, entre outras estratégias, por conteúdos nas redes dos próprios talentos.
A solução do futuro
Um artigo recente da IndieWire destaca como Hollywood — a meca do cinema e do dinheiro por trás dele — já está envolvendo as marcas em suas produções desde a etapa de desenvolvimento. E de formas cada vez menos óbvias: em vez de inserções escancaradas dos produtos, o foco é envolver-se em produções de conteúdos narrativos relevantes, sejam eles grandes ou pequenos.
O fato é que as marcas entenderam que precisam buscar formas autênticas de se conectar com os consumidores, criando conteúdos que seu público realmente queira assistir, mesmo que os produtos da marca não estejam em evidência na tela. Ou nem sequer sejam mencionados.