Storytelling: um modismo de milhares de anos

Muito se ouve falar nos dias de hoje sobre o storytelling como uma técnica de marketing para divulgar produtos ou marcas. Mas a verdade é o que o storytelling, isto é, o contar histórias, nasceu praticamente junto à capacidade humana de se comunicar e foi essencial para o avanço da humanidade.

Para nos aprofundarmos nesse tema, nada melhor do que… contar uma história.

Começo, meio e fim

Certa vez, um professor de meia-idade muito inteligente, que teve professores igualmente inteligentes, fez algumas anotações para usar em suas aulas. Eram apenas ideias que ele tinha sobre a arte que era feita na região onde ele vivia, sobretudo o teatro, e que serviriam de guia para suas apresentações orais. O que ele não sabia é que essas anotações virariam o livro de maior influência na história das artes durante os séculos seguintes.

Estamos falando, é claro, de “Poética”, do filósofo Aristóteles, que viveu na Grécia no início do século III a.C.

Entre conceitos por vezes controversos de tragédia x comédia, enredo x personagem, Aristóteles estruturou as histórias de uma forma que pode nos parecer óbvia hoje, mas que foi revolucionária para a época: dividindo-as em começo, meio e fim.

Tese, antítese, síntese

Estudiosos que vieram depois dele foram evoluindo essa divisão — e o próprio entendimento do significado de contar histórias.

Em “A arte da escrita dramática”, publicado em 1946, o dramaturgo húngaro Lajos Egri faz um contraponto às reflexões de Aristóteles, e apresenta o conceito de começo, meio e fim como tese, antítese e síntese. Isto é, no começo de uma história apresenta-se algo: uma ideia, uma situação, o status quo. No meio, algo balança esse status quo, uma ideia oposta surge, uma situação diferente se instaura: é a antítese. Por fim, a situação se resolve, criando uma nova situação, uma nova ideia, um novo status quo: é a síntese.

Alguns anos depois, em 1949, o estadunidense Joseph Campbell publicou “O Herói de Mil Faces”, outro clássico do storytelling, em que são apresentadas jornadas arquetípicas de histórias contadas em diferentes sociedades e diferentes épocas, mostrando — e isto é uma simplificação grosseira da complexidade da obra — que contamos sempre as mesmas histórias, com roupagens diferentes.

Empatia

Outro conceito inerente ao storytelling e fundamental para a arte de contar histórias é o conceito de empatia.

Empatia é a capacidade de se colocar no lugar do outro, buscando agir ou pensar da forma como ela pensaria ou agiria nas mesmas circunstâncias. É um canal de conexão com o outro, que faz com que se consiga compreender e reproduzir suas emoções como se fossem suas.

Portanto, as histórias têm um poder de engajamento, de envolvimento, que vai além das palavras e da razão: elas conectam de forma emocional, profunda e universal.

E é aí que entram as marcas. Vamos de mais uma história.

Um storytelling saboroso

Era uma vez dois amigos que tinham um sonho: abrir uma fábrica de sorvetes. Para realizá-lo, decidiram começar fazendo um curso por correspondência, pelo qual pagaram cinco dólares. Depois, investiram mais 12 mil dólares no negócio, sendo que um terço dessa verba foi emprestada. Então, em 1978, abriram sua primeira loja em um posto de gasolina da cidade de Burlington, em Vermont, nos EUA. Um ano depois, comemoraram o sucesso da empresa com um evento, o Free Cone Day, presenteando seus clientes com casquinha gratuita durante todo o dia.

Com o passar dos anos, a marca de sorvetes cresceu e ganhou espaço em outras cidades, outros estados e outros países, inclusive o Brasil. Também se tornou mundialmente conhecida, não só pelas diferentes misturas nos sabores de sorvetes, como também pelo cheiro característico da casquinha, feita na hora nas lojas. E mesmo depois de toda expansão, a marca oferece até hoje um dia de sorvete grátis em comemoração ao seu aniversário em todas as unidades do mundo.

Essa é a história da marca Ben & Jerry’s.

Storytelling para todos

A história de Ben e Jerry tem — pasmem! — começo, meio e fim. Tem uma situação inicial (amigos com um sonho), uma complicação (amigos com uma dívida) e uma resolução (amigos com sucesso). Ela tem um potencial universal de conexão (todos têm sonhos) e, ao apresentar um obstáculo a ser superado (a dívida), gera empatia, portanto, uma conexão emocional, que se conclui em satisfação (o sucesso da dupla).

E é assim que a Ben & Jerry’s usa o storytelling para conectar o público à sua marca.

Mas uma empresa não precisa ter uma grande história de superação ou ter sido criada numa garagem antes de conquistar o mundo: o storytelling pode ser usado por todos, afinal, como já deve ter ficado claro aqui, contar histórias é parte intrínseca da nossa vida e nos conecta emocionalmente desde sempre.

O storytelling e as marcas

Entendendo o poder das histórias, a Chevrolet manteve durante quatro anos (2020-2024) o programa “Na estrada com quem faz”. A iniciativa, desenvolvida em parceria com a Bring, a Globo, a Isobar e a WMcCann, foi uma estratégia cross media, divulgada em chamadas na TV aberta durante o Globo Rural e em canais digitais. A cada episódio, um apresentador percorria um canto do Brasil em uma picape S10 descobrindo produtores rurais, que compartilhavam suas histórias, criando uma conexão com um nicho de público da marca.

O programa atingiu um total de quase 100 milhões de espectadores e alavancou o interesse desse público pela Chevrolet S10, que alcançou o primeiro lugar em vendas na categoria após um ano de exibição.

Já o banco Itaú utilizou técnicas de storytelling de maneira inventiva para se aproximar da geração Z, que vinha sendo conquistada pelos bancos digitais. Em 2023, em parceria com a Bring, a Globo e a agência Africa, a marca desenvolveu uma série em quatro episódios para o Globoplay. Intitulado “Quem nunca?”, o programa era apresentado pela humorista Dani Calabresa e trazia convidados para — isso mesmo, você adivinhou — contar histórias, nesse caso, sobre perrengues financeiros.

Os episódios, além criar uma conexão com o público jovem — afinal, quem nunca passou por apuros com dinheiro? —, traziam informações úteis sobre a vida financeira, aumentando a confiança do público em relação à marca.

Construindo um storytelling eficiente

Veja a seguir alguns pontos que tornam o storytelling de uma marca mais eficiente.

1. Para quem a história é contada?

Já que a ideia do storytelling é criar uma conexão com o interlocutor, o primeiro passo é entender quem é essa figura. Quais são suas preferências, seus desejos, seus desafios? Ou seja, quem é a persona com quem estamos falando?

2. Onde se passa a sua história?

O interlocutor precisa se projetar para dentro do enredo. Uma vez que sabemos quem é essa figura, podemos definir onde ambientar nossa história. A Red Bull, por exemplo, cujo slogan é “Red Bull te dá asas” e foca no público jovem, fez uma ação que se passava literalmente no espaço.

3. Qual o desafio da sua história?

Tese, antítese, síntese: qual é antítese da sua história? Qual o desafio? Qual a dor? É saltar da estratosfera? É superar um desafio financeiro? E recuperar uma dívida de 12 mil dólares? O desafio gera empatia e conecta o público ao personagem.

4. Como sua história é satisfatória?

A ideia é que o interlocutor passe por uma transformação após ter acesso ao seu conteúdo. Como o interlocutor é transformado positivamente pela sua história? É acompanhando um recorde sendo batido? Ou se identificando com famosos que passam os mesmos perrengues que você? Talvez tendo orgulho de quem você acompanhou?

Histórias em todo lugar

Conscientemente ou não, é provável que você já tenha comprado algo porque se identificou com a história de uma marca, de um produto ou mesmo de uma pessoa ligada àquela empresa. Isso porque, assim como Aristóteles, Campbell, Egri e tantos outros, muitas empresas já compreenderam o poder do storytelling — e sabem muito bem como usá-lo a seu favor.

Posts relacionados

Benefícios do product placement

Blog

17 jul 2025

Benefícios do product placement

Blog

10 jul 2025

Vídeos interativos: quando o espectador vira protagonista

Blog

4 jul 2025

Produção de vídeo: a arma (não tão) secreta do marketing